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Navegando na TRAVESSIA do Grupo Grial

Viajei... e confesso desde já que fiquei mareada, mas neste caso o enjôo não foi ruim...

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Tab number #2

Viajei... e confesso desde já que fiquei mareada, mas neste caso o enjôo não foi ruim, instalou em mim uma saudável...

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Tab number #3

Trocar um chão firme e seguro por uma superfície líquida na certa não é tarefa fácil. São muitos os...

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Tab number #4

Tudo é tão grandioso em Lua Cambará, que custamos a perceber que se trata de um espetáculo feito por alunos de um projeto social de formação...

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Tab number #5

À primeira vista, me saltou aos olhos a trilha sonora de "Silêncio", composta por um dos intérpretes do elenco...

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O frevo é praticamente sinônimo de alegria, de uma euforia carnavalesca multicolorida. Despir essa vestimenta ...

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"E ninguém tem o mapa da alma da mulher"- berra o irreconhecível vozeirão de Zé Ramalho em uma das suas mais...

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Justo uma imagem- cartas e processos*, criação nascida das conversas entre a bailarina Denise Stutz e o vídeo-artista...

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DANÇA EM CONSTRUÇÃO- Catrevage e Esbórnia

  • domingo, 29 de maio de 2011
  • | Escrito por:
  • Chris Galdino

  • CATREVAGE


    Uma boa surpresa...essa é a primeira frase que me vem a cabeça quando penso em “Catrevage”. Uma conjunção de fatores positivos e um sólido trabalho de equipe se anunciam logo nos primeiros contatos com o espetáculo do Grupo Andanças, companhia e dança vinculada ao SESC Caruaru. E muito poderia ser dito das vantagens e facilidades que um grupo, de alguma forma institucional como esse pode ter. Porém, é válido ressaltar, que o fato de dispor de alguns recursos não quer dizer que tais benefícios serão bem aproveitados e também não quer dizer que esse tipo de organização não enfrente outras dificuldades e desafios. Sabemos, por exemplo, que atuar em lugares em que a profissionalização em arte ainda não é uma realidade plena, faz com que a rotatividade de elenco seja um grande obstáculo. Quando os bailarinos estão falando a mesma língua e participando de um processo mais aprofundado de pesquisa criativa, muitos são obrigados a abandonar o grupo para seguir outra carreira profissional. Contrariando essa realidade, os dez bailarinos de “Catrevage” parecem partes de um mesmo todo, versos independentes de um mesmo poema. Tentando imaginar o percurso do Andanças até gerar “Catrevage”, vejo o primeiro passo certo na escolha de Mestre Galdino como tema. Às vezes em nossa busca criativa vamos buscar referências tão distantes, olhar tanto para longe, que não percebemos a riqueza do que está tão próximo. Eles perceberam isso, e, dirigidos por Benício Júnior, parecem ter mergulhado juntos na vida e obra desse artista tão genial. Pelo menos é essa a impressão que nos invade ao vermos os vários corpos dos bailarinos formarem um só corpo em cena.

    O espetáculo se inicia do lado de fora do teatro com uma cena que remete à relação quase divina entre criatura e criador e, especificamente, entre Galdino e suas invenções de barro. Simbolicamente o fogo é utilizado para unir os dois bailarinos neste momento. Um dos grandes méritos do trabalho é conseguir se afastar dos riscos de uma linguagem mimética ou caricaturada. A movimentação adotada privilegia a fluidez e a sinuosidade do barro sendo moldado, mas há espaço também para totens representativos das típicas figuras carrantescas e o surrealismo popular de Galdino. Algo entre o sonho e o fantasmagórico se faz presente em seqüências em que os bailarinos interagem com os painéis do eficiente cenário criado por Jorge Souza, evocando o processo criativo e a própria figura do Mestre, reproduzida nos óculos e figurinos assinados por Íris Brenda, nos “tamboretes” usados como instrumentos de percussão. “Catrevage” acerta quando foge do caminho mais fácil de escolher músicas conhecidas e convida Edson Pedro para compor uma trilha sonora original, pontuada com trechos de depoimentos de Mestre Galdino. A luz de Alex Deplex ajuda a aumentar a carga dramática de alguns momentos, oferecendo um contorno especial às cenas.

    Coisas misturadas, ligadas: essa era uma possível definição de Catrevage nas palavras de quem criou e tanto divulgou o termo, Galdino. Corpos se moldando e dando vida a formas surreais, simples e complexas como a alma do artista-tema: assim é o espetáculo Catrevage, uma perfeita tradução em dança de vida e obra de Mestre Galdino, uma leitura contemporânea da arte popular. O espetáculo do Grupo Andanças, do SESC Caruaru, prova que, apesar de todas as dificuldades, com um trabalho de pesquisa aprofundado e realizado coletivamente, além de um investimento proporcional na formação artística do elenco e na profissionalização da produção, é possível alcançar a tão desejada verdade cênica.




    ESBÓRNIA

    Também na Cia de dança do SESC Petrolina é notória a unidade do grupo, o sentimento coletivo guiando cena e bastidores. Dirigido e coreografado por Jailson Lima, Esbórnia traz o exagero como mote central. O humor, a sensualidade, a diversidade, as cores...tudo é propositadamente demasiado. Aliás, o riso também é abundante na platéia durante a primeira parte do espetáculo, ambientado em um cabaré popular, com suas danças, relações, e caricaturas peculiares. Talvez um tratamento menos estereotipado dos personagens pudesse resultar melhor ou dar um viés menos óbvio em termos de composição coreográfica. O investimento nas cenas de humor poderia trazer um diferencial, e maior originalidade ao trabalho, afastando-o do risco do lugar comum. Aliás, a escolha da trilha sonora é mais que adequada em ambas as partes de Esbórnia.

    Vemos os mais variados corpos em cena, e, deles Jailson Lima consegue extrair com maestria os melhores atributos. Além do respeito à diversidade, a Cia de Dança do SESC Petrolina, contribui com a desmistificação do corpo ideal ou a existência de um corpo padrão para a dança. Há também um nivelamento técnico entre todos os integrantes da companhia, que parecem ter uma formação muito parecida, mas preservando suas subjetividades. Uma atenção maior ao acabamento dos movimentos e frases coreográficas, além do já referido investimento no caráter humorístico aumentaria, e muito, o encanto do espetáculo.

    A segunda parte de Esbórnia, porém, abandona o humor, a estética do escracho e aposta em uma sensualidade mais sóbria e elegante, embalada adequadamente nos tangos de Piazzola. Para mim, ali se inicia um novo espetáculo, apesar de ligados pela intenção da sensualidade, são outros os questionamentos e o discurso que vem daqueles corpos. E nessa segunda metade de uma Esbórnia mais bem comportada, mais contida, limitações técnicas ficam evidentes. A virilidade masculina que o tango exige é um ponto a ser desenvolvido e os trabalhos dos casais necessitam de uma integração maior, uma cumplicidade mais expressiva. Temos pauta e material suficiente para dois espetáculos distintos e, por isso, Esbórnia merece uma pesquisa mais ampla em uma das vertentes eleitas, para conseguir maior primor técnico e melhor interpretação. Conjugando essa equação e decidindo-se por um dos dois caminhos abertos, o trabalho da Cia de Dança do SESC Petrolina tem tudo para continuar uma trajetória de crescimento e sucesso.
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    FORMAS E MOVIMENTOS DE UMA DANÇA EM CONSTRUÇÃO- EUS e CARDÁPIO DO CORPO

  • | Escrito por:
  • Chris Galdino
  • O contato com a realidade da dança durante a Mostra Rui Limeira Rosal de Teatro e Dança, organizada pelo SESC Pernambuco, realizada no Teatro Rui Limeira Rosal, na unidade do SESC, em Caruaru, me levou para zonas de tensão recorrentes quando o assunto é o fazer artístico nas cidades de interior do Brasil e, especificamente da Região Nordeste. Fala-se muito há alguns anos em interiorização das ações da cultura, em descentralização e democratização do acesso às artes. Mas apesar desses itens serem praticamente obrigatórios nos discursos dos gestores culturais em todas as instâncias da esfera pública ou privada, ainda existe um abismo imenso entre o que é dito e o que é feito. E vários são os fatores que contribuem para esse distanciamento entre discurso e prática. Olhando os espetáculos apresentados na mostra, voltei á discussão sobre o que é ser um profissional da dança, um artista? Quantos daqueles intérpretes vivem de sua arte? Quantos realmente encaram a dança como profissão? Ao que parece, uma espécie de mensagem subliminar ainda dita as regras e faz com que a prática da dança seja considerada majoritariamente como um hobby, um passatempo, e, isso justificaria o rótulo de atividade supérflua e elitista, “que não pode ser profissão de ninguém”. A informalidade do setor contribui diretamente para esse não-reconhecimento do artista como um trabalhador. E o reflexo disso infelizmente passa quase sempre para a cena.

    Outra questão relevante é uma ansiedade criativa, que deve estar associada às poucas possibilidades de apresentação, que afeta a maioria dos grupos, companhias e artistas independentes das cidades de interior. Parece que a lógica dos festivais de finais de ano das academias, que era praticamente a única forma de praticar a dança na década de 80, ainda guia muitas produções atuais, infelizmente. Por isso, vemos um excesso de informações, como se houvesse uma necessidade de mostrar em um único espetáculo tudo que se sabe fazer, todos os conhecimentos adquiridos, todas as idéias. E, nesse caso, mais acaba sendo menos. A técnica dos tantos anos de formação em dança, que poderia colaborar no processo criativo, estar a serviço de um conceito ou linha dramatúrgica, acaba por assumir apenas um caráter demonstrativo.

    Os coreógrafos, bailarinos e produtores do interior alegam, com razão, que faltam incentivos, investimentos, e políticas públicas de cultura, além de espaço e eventos para apresentarem seus trabalhos. Mas por outro lado, a maioria ainda não aprendeu e/ou não se habituou a acessar os mecanismos de fomento e editais que existem, ficando ainda na dependência do apoio de microempresários da região, amigos, parentes e investimentos próprios para produzir seus espetáculos. Não tenho dúvidas de que as várias instâncias governamentais são diretamente responsáveis por essas ausências e o estabelecimento desse cenário pouco promissor. Mas também é verdade que além da persistência (que felizmente já é uma característica dos que tentam fazer da arte uma profissão no Brasil), a organização coletiva e a mobilização são estratégias urgentes, e mais que necessárias para transformar essa realidade e promover o desenvolvimento da dança nas cidades do interior. Isso tem tudo a ver com formação e informação, uma busca que deveria ser constante e ininterrupta para todos os que pretendem encarar a arte como profissão. O SESC Pernambuco tem desempenhado um papel fundamental, abraçando a missão de ser espaço de formação, difusão e desenvolvimento da dança ao mesmo tempo, e seguindo uma política que incentiva a autonomia dos artistas e grupos, sem criar vínculos de dependência e exclusividade.

    Ainda que instável, o mercado artístico existe, e a economia da cultura é uma realidade palpável, mas tudo começa com uma mudança de atitude que, por sua vez, se inicia em uma auto-avaliação. E algumas perguntas podem ajudar nesse exercício: O que é ser um artista profissional? Eu sou um artista profissional? Como e quanto eu invisto na minha formação e/ou do meu grupo? O que conheço das leis de incentivo e mecanismos de fomento à cultura? Já consigo acessá-los? Quem são meus pares, como estão trabalhando, o que estão produzindo e como posso me articular, interagir com eles? Como posso colaborar com o desenvolvimento e a profissionalização da dança na minha cidade?

    As respostas, e o debate sobre essas questões podem apresentar pistas importantes e imprescindíveis para a construção de um novo cenário na dança produzida nos interiores do Brasil, porque talento e inspiradoras riquezas culturais não faltam por estas bandas.

    EUS

    O feminino se anunciava como tema a todo instante nos momentos iniciais desse espetáculo dirigido por Sheila Karina Amorim e Leila Cristina Silva, desde o vídeo que antecedia as cenas, mostrando relatos de mulheres, porém depois essa sugestão se diluiu no excesso de informações inserida no enredo. Com notória técnica de dança clássica e moderna, as quatro bailarinas criadoras recitaram alguns trechos de poemas de Demóstenes Félix. Talvez uma pesquisa mais aprofundada no material literário daquele autor ou uma forma menos impostada de dizer os poemas, pudesse resultar em uma conexão mais eficaz e impactante entre movimento e palavra. Da maneira como foi concebida a montagem, os textos não apresentam ligação visível com as coreografias, assinadas pelas duas diretoras e por Luís Roberto Silva.

    A já referida ansiedade criativa faz de EUS um espetáculo confuso, são tantas as narrativas apresentadas que acabamos por não saber qual é realmente a proposta, o que é que está em questão? Cenografia e elementos cênicos interessantes como as portas das seqüências iniciais perdem um pouco de significado quando, pela repetição excessiva, deixam de surpreender. Nós já supomos o que vai acontecer a seguir. Talvez o fato do grupo ter tido pouco tempo de montagem (dois meses), tenha contribuído no resultado ainda inconsistente em termos de discurso, que foi apresentado.

    A performance ganha força na bela e sincronizada seqüência em que a música é tocada ao vivo pelo percussionista David Leal. A escolha acertada do figurino- longas e rodadas saias tricolores- ajuda a fazer dessa coreografia o ponto mais marcante do trabalho. Nesse e em vários momentos tive a impressão de estar vendo um novo espetáculo se iniciar, já que tantas foram as idéias colocadas em cena, e que ficaram sem desenvolvimento. EUS tem várias células coreográficas, mas não consegue ainda criar um fio condutor. Talvez se não houvesse uma separação tão evidente entre as seqüências coreográficas e a movimentação tivesse um caráter mais naturalista, com atenção especial para as entradas e saídas de cena, que como foram organizadas quebram o ritmo, estancando a dinâmica do espetáculo, EUS pudesse causar um impacto mais positivo no público. Colocando o alto nível técnico dos intérpretes a serviço de uma dramaturgia, de um processo de pesquisa, o espetáculo poderá alcançar, sem dúvida, resultados mais consistentes, aproveitando melhor o poder encantador, inerente aos bailarinos do elenco (Adriana Borges, Leila Cristina Silva, Marcos Mercury, Sheyla Karina Amorim e Vânia Amorim), todos com visível formação em dança.

    CARDÁPIO DO CORPO





    Preciso começar dizendo que uma intervenção urbana de dança contemporânea é um artigo raro e nada habitual na capital do forró. Por isso a ousadia é de cara um ponto a favor do trabalho, criado e interpretado pelo bailarino Marcos Mercury, e pensado para espaços não convencionais. Criar essas brechas é uma urgência para ampliar as possibilidades de diálogo entre tradição e contemporaneidade, entre os artistas e os demais sujeitos.

    Apresentado na Praça do Marco Zero, centro de Caruaru, a performance começa a acontecer antes ainda da apresentação propriamente dita ser iniciada. O fator interatividade é vivenciado desde a montagem do cenário, luzes e mini palco. A aglomeração de pessoas movida pela curiosidade modifica significativamente o local e o cotidiano habitual do centro da cidade, integrando provisoriamente a paisagem urbana, alterando-a, inaugurando novas relações entre a arte e o cidadão comum. Esse é o grande trunfo de “Cardápio do corpo”. O público é convidado a interagir com a obra a todo instante e, mesmo os que optam por não escolher as músicas no menu oferecido por um ator-garçom do elenco, participam ativamente, assistindo e reagindo de alguma forma às provocações do bailarino, que chega a se aproximar ainda mais dos espectadores em alguns momentos da encenação. Quando o “Cardápio do corpo” se abre aos nossos olhos, a imaginação voa e muitas são as leituras possíveis.

    A primeira vista, saltam da cena questões acerca da liberdade de expressão, da relação entre a arte e o belo, e das condições e funcionamento do próprio fazer artístico na atualidade, muito bem impressas e expressas nas seqüências coreográficas criadas por Mercury. Mas insistindo na mesma partitura de movimentos, mesmo trocando de figurino em público a cada nova música escolhida, Marcos Mercury causa um certo desconforto na platéia, que parece não alcançar as intenções do artista. Talvez com uma pesquisa mais aprofundada, ele pudesse construir um enredo mais definido, para a movimentação não soar aleatória e improvisada. Ainda que as repetições tenham sido propositais, a proposta precisa ficar mais clara. Não que isso comprometa o trabalho, mas com as questões e objetivos esclarecidos, o discurso de “Cardápio do Corpo” se tornaria, sem dúvida mais convincente, mais contundente. Afinal, quantas coisas podem nos dizer os gestos e ações de um bailarino que resolve dançar e vestir várias “fantasias” em praça pública? O bailarino, além da excelência técnica e segurança cênica, acerta no tom naturalista da sua interpretação, tão necessário nas intervenções urbanas. Fragilizando-se apenas por alguns detalhes desnecessários na sua estrutura de produção, como o fato de ser outra pessoa e não ele nem o ator-garçom a operar o som no laptop e, principalmente, a presença constante de uma espécie de contra-regra que enxuga várias vezes o suor do intérprete, desviando a atenção do público do que realmente está em questão.

    Gosto de pensar que “Cardápio do corpo” terá muitas versões, cada vez mais aprimoradas. Mas gosto mesmo é de acreditar que Marcos Mercury, vai continuar sua trajetória evoluindo no caminho das intervenções urbanas, investindo em espaços e formatos não convencionais de espetáculo, e, conseguindo assim, contribuir para a formação de platéia e a tão necessária aproximação entre público e arte contemporânea.
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    Navegando na TRAVESSIA do Grupo Grial

  • terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
  • | Escrito por:
  • Chris Galdino
  • Crédito das fotos: Marcelo Lyra

    Viajei... e confesso desde já que fiquei mareada, mas neste caso o enjôo não foi ruim, instalou em mim uma saudável embriaguez de memórias, de um passado tão presente sempre e que não parece ser só meu. Naveguei além-mar para re-conhecer um tecido de afetos tão próprio, habilmente costurado no vocabulário regional e universal, no entrelaçado de tradições e contemporaneidade do Grupo Grial. Da subjetividade de cada corpo, carregado de histórias e formação distintas, a coreógrafa Maria Paula Costa Rêgo conseguiu construir um “côro” uníssono sem tentar apagar as individualidades preciosas de cada intérprete (ainda bem!), como se se tratasse de um mesmo idioma, que mantém seus sotaques diferentes, mas fala a mesma língua.
    Embalados pelo doce e forte canto de Nice Teles (cantadeira popular de Condado, município da Zona da Mata Norte de Pernambuco), os bailarinos ampliados e duplicados em sombras tornam-se cenário em movimento nos painéis que compõem a arena criada pelo diretor de arte Dantas Suassuna, e realçado pela luz precisa e delicada de Luciana Raposo; antes de aparecerem em carne e osso para entrar nesta embarcação onde junto com o público navegam ao sabor dos ventos. Os traços dos grandes painéis nos lembram pinturas rupestres (e/ou também poderiam ser iconografia típica armorial) o que nos remete a um encontro com a ancestralidade, a particular-individual, e a coletiva; a nossa e a da própria dança.
    Miscigenação, mestiçagem, mistura, polissemias e poligamias: palavras (tão brasileiras, não é?) que se repetem, se tecem e se moldam em formas dançantes a cada cena do novo trabalho do Grupo Grial, “Travessia”. Imagens que se multiplicam, trazendo memórias às vezes desfocadas, às vezes até nítidas demais; às vezes nostalgia, às vezes ameaça de um banzo fatal. E quando notei, já me sentia navegadora dos longícuos séculos dos descobrimentos, para alguns minutosdepois, sofrer nos tumbeiros da escravidão...e haja travessia! Dentro da embarcação-arena-cenário fiz não uma, mas muitas travessias, enredada no mosaico multiétnico que formou o povo brasileiro. Das referências lusas mais evidentes aos toques árabes e ciganos, passando pela forte presença afroameríndia, a trilha de Publius Lentulus e Claudio Rabeca, parecem sair dos corpos dos bailarinos, tal é a perfeição do encaixe entre música e dança. A consultoria artística de Conrado Falbo, músico e pesquisador, e do ex-bailarino do grupo Eric Valença, devem ter colaborado bastante com esse resultado coerente e coeso. Uma união que não significa homogeneidade, pois o realce das diferenças que enfatiza o diálogo tradição-contemporaneidade é a base do trabalho desta companhia pernambucana, fundada há mais de 13 anos. Quando trazem à cena a "véia do bambu", figura do cavalo-marinho, ou dançam ´juntos um coco de roda, talvez evidenciem as matrizes populares nordestinas que alicerçam a pesquisa da companhia, mas a consolidação desta linguagem híbrida já conseguiu uma tal fusão entre os elementos populares e eruditos, que é impossível isolá-los. Então não faz muito sentido insistirmos neste debate dicotômico, assim como não vale a pena tentarmos enquadrar em uma categoria o trabalho do Grupo Grial, a dança por eles tecida tem singularidades inclassificáveis. O Grial tem uma alquimia peculiar e única, um jeito próprio que vem desenvolvedo de fazer novas combinações coreográficas, mas manter o trânsito tradição-contemporaneidade como eixo, experimentando novas possibilidades (inclusive de formato das apresentações) a cada espetáculo.
    Cada elemento da obra, incluindo aí cada artista, são multifuncionais: bailarinos e cantadeira são cenário também, cenários transformam-se em figurino (assinado por Andrea Monteiro); luzes que fazem figurinos dançar... Tudo é grande, desde a estrutura, ao gestual e a emoção transbordada. A sensação de cumplicidade e aproximação talvez venha da simplicidade da contação de histórias, mas também encontro elos de ligação possíveis com a poética e a movimentação de outro espetáculo do repertório do Grial: “Uma mulher vestida de sol- Romeu e Julieta”. Talvez os muitos momentos em que dançam casais, talvez o tema comum às histórias contadas, contadas e dançadas pelo elenco- o amor- tenham deixado em mim essa impressão de uma retomada, ou melhor dizendo, de uma reinvenção de si mesma que Maria Paula operou com maestria na sua “Travessia”, fazendo o grupo ser outro (aliás o elenco novo e muito bom é formado pelos intérpretes-criadores: Aldene Ferreira, Dayse Marques, Fábio Soares, Iara Campos, Iara Sales e Joab Jó) e reforçando, ao mesmo tempo, os marcos identitários do Grial.
    Travessia é a segunda parte de uma trilogia proposta pela companhia e chamada “Uma história, duas ou três”, mas muitas são as narrações presentes e as interpretações possíveis. Romances e pelejas tipicamente nordestinos, dores e amores que nos soam tão familiares são contados na dança do Grial, em desenhos coreográficos que exploram o espaço externo e interno, em entradas e saídas da arena que nos fazem dançar também, talvez isso justifique a minha confessa embriaguez, saborosa mareação poética.
    Tocam os sinos anunciando o fim da oceânica “Travessia” ou seria um sinal sonoro para despertar do transe viajantes mais desacostumados? Não sei. Terra à vista- pensei e quase gritei- e fomos nós quem fizemos a descoberta- viva! E olha, a terra é alegre, e parece bem produtiva. O espetáculo termina. E a festa parece estar só começando. Ainda mareada, sigo digerindo e celebrando o encantamento desta viagem na Nau milenar e futurista do Grupo Grial.


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