TRISHA BROWN- partilhando impressões

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  • domingo, 31 de outubro de 2010
  • por
  • Chris Galdino
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  • crédito das fotos: Victor Jucá


    Bem, primeiro devo confessar que criei bastante expectativa para ver os trabalhos da Trisha Brown Dance Company, até mesmo porque como diz o programa do 15º Festival Internacional de Dança do Recife, a artista norte-americana é “uma das mais aclamadas coreografas a emergir da cena pós-moderna”. Trisha faz parte daquela turma de criadores que participou na década de 60 do na época revolucionário, movimento da Memorial Judson Church, em Nova Iorque, um “nascedouro ou viveiro da dança contemporânea” como também anuncia o programa do festival.

    Então, não podia mesmo perder a oportunidade de assistir a três trabalhos daquela companhia, principalmente porque cada obra data de uma época diferente. Já no Teatro de Santa Isabel, tivemos que esperar cerca de 30 minutos para o começo do espetáculo, sem nenhum comunicado da produção/organização do Festival, justificando a demora exaustiva, que provavelmente ocorreu para esperar que o espetáculo anterior terminasse e o público conseguisse se deslocar até o teatro. Mas, se é essa a idéia do evento, de não haver ações acontecendo em simultâneo, fica a dica: deixem mais espaço entre uma e outra apresentação, até mesmo para público e artistas puderem ter alguma possibilidade de encontro e diálogo, formal ou informal. Ontem mesmo, depois de assistir a conferência dançada de Thereza Rocha, quis ir cumprimentá-la no camarim, e pronto, já perdi a chance de assistir o espetáculo da Focus, programado para às 21h (o que seria impossível de cumprir, já que a apresentação de Thereza tinha duração aproximada de 1h20minutos e início agendado para às 20h). Realmente é preciso rever isso, para que a cidade possa aproveitar ao máximo o seu maior evento de dança, não é?

    Tudo bem, basta de contextualização. Voltemos à Trisha Brown. Movimentos fluidos e linhas retas já estão em cena quando a cortina se abre, revelando a primeira faceta de Foray Fôret (1990), toda aquela sequência inicial em silêncio parecia querer nos dizer que existia dança além (antes e depois) do que nós víamos. Será que o espetáculo havia começado antes ou estávamos vendo um ensaio? Fragmentos de um processo criativo, que não tinha começo nem parecia indicar um fim, era feito de “meio”.
    Primeiro estranhei aqueles figurinos brilhantes, em tons dourados, que eu não conseguia associar a linha vanguardista na qual eu acreditava estar inscrita a Trisha Brown Dance Company. Mas no meio desse meio, pelo menos para mim, o sentido de cada elemento aparentemente aleatório começou a se construir, quando ouviu-se ao longe o som de uma banda marcial ou fanfarra, tocando dobrados e coisas do gênero. Pensei que estávamos ouvindo o ensaio de algum grupo musical do lado de fora do teatro, mas logo percebi que aquela era a trilha do espetáculo. E aí, tudo se encaixou, e minha imaginação voou, escrevendo narrativas possíveis para aquela coreografia, mesmo que os intérpretes não parecessem manter nenhuma relação com a música da bandinha, que ora se aproximava, ora se distanciava ou simplesmente parava de tocar. Meus devaneios idealizavam cenários inúmeros, separados e justapostos ou sobrepostos como camadas de memórias individuais e coletivas ao mesmo tempo, passando por touradas que eu nunca vi; quermesses da lembrança quase esquecida da minha infância; e os tão conhecidos desfiles cívicos de bandas marciais e fanfarras. Aí o tecido dourado (que inicialmente achei tão cafona e deslocado, inadequado mesmo) que me remetia aos figurinos das “mil e uma noites” ganhou significado nas minhas leituras. Mas não foi somente a inusitada utilização da música de Foray Fôret, que me tocou, fui surpreendida pela descentralização do espaço cênico, em uma composição meticulosa que trazia para nós aparições de bailarinos que pareciam surgir do nada, e valorizava as coxias e toda a margem do palco como parte integrante e até mais importante da cena. Mas uma vez, a coreógrafa parecia nos dizer que há mais dança do que aquela que víamos. E me deu uma vontade danada de tirar todas as pernas, a rotunda, etc... para ver se realmente os bailarinos continuavam aquela dança nos bastidores do teatro. Quantas idéias Trisha nos sugere a partir de suas abstrações! É impossível mensurar. E, de repente, um corte brusco da encenação nos faz voltar à realidade.

    Se eu já tinha expectativas quanto ao trabalho desta companhia, depois de assistir ao primeiro espetáculo, criado em 1990, fiquei ansiosa para as surpresas que viriam nas duas obras apresentadas a seguir: You can see us (1995) e L’amour au Théâtre (2009). Porém nada se apresentou como novidade, ou reinvenção surpreendente, para minha frustração. O que me sugeria um caminho temporal inverso, inclusive pela escolha e a forma de utilização convencional das músicas. O trabalho mais recente me soava como mais antigo e próximo de uma linguagem corporal da dança moderna e até do neo-clássico, e vice-versa. Talvez esse retorno a si mesma seja intenção da autora, mas os meus olhos ansiavam pelo passo adiante que Foray Forêt anunciava. Talvez esse seja um legado para os seus herdeiros estéticos desenvolverem...

    E então vejo o público gritar bravo, assobiar e aplaudir entusiasmado o internacional elenco. Imediatamente penso nessa mesma habitual platéia de dança do Recife, com formais e rápidas salvas de palmas nos espetáculos de criadores nacionais,e, principalmente locais. E me pergunto, porquê? Será que lá no fundo ainda alimentamos aquele preconceito que crê que só é bom o que vem de fora (ou os que seguem a linha de pensamento criativo deles)? Será que este “fora valorizado” vai ser sempre euroamericano? A própria Trisha no seu Foray Forêt nos convida a ir além, e, para isso, explorar outros ambientes, ampliar a visão da arte, da dança, do mundo, é uma urgência. Talvez nessa busca autoral, possamos descobrir que o “nascedouro ou viveiro da nossa dança” está mais perto e é mais diverso e profundo do que imaginávamos.



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