A alma feminina em cena

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  • sábado, 15 de janeiro de 2011
  • por
  • Chris Galdino
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  • Crédito das fotos: Rogério Alves


    "E ninguém tem o mapa da alma da mulher"- berra o irreconhecível vozeirão de Zé Ramalho em uma das suas mais famosas canções. Mas foi exatamente esse desejo de sondar o insondável mistério da natureza feminina que guiou o processo de criação de EM CAIXA, o mais recente trabalho da Trupp Cia. de Dança, do Recife.
    Quatro bailarinas trazem ao palco a dor e a delícia de "ser mulher". Em uma movimentação densa, com excelente aproveitamento da formação téncica privilegiada de cada uma, elas parecem ir além dos desenhos que o corpo executa. Das suas caixas tiram mais que narrativas decifráveis, cada gesto está prenho de significados profundos, cada movimento parece rasgar a parede social que oculta a alma fêmea. Tem dor ali, muitas dores, e mesmo em silêncio, os corpos parecem uivar, urrar, às vezes, revelando conflitos internos, em outras mostrando uma luta diária da mulher, ou melhor dizendo, dos ícones da feminilidade, com o universo contemporâneo, ainda predominantemente masculino e machista.
    EM CAIXA é um sangramento constante, anunciado na poça vermelha que tão bem compõe sua cenografia, e, principalmente, na tradução em dança deste "sangrar" interpretada com maestria por Fernanda Lobo, Isabel Ferreira, Juliana Siqueira e Roberta Cunha. Os vestidos longos criados por Maria Agrelli, e os cabelos longos das intérpretes, inscrevem figuras românticas e frágeis no nosso imaginário, mas não por muito tempo. O sangue que não pára de pingar ou jorrar do teto e a angústia que transborda das coreografias nos lembram a todo instante que ali há dor. Dores diárias das descobertas e do crescimento, dores que são quase prazer, dores de amores, desamores, repressões e medos...mas também dor da violência física e/ou psicológica. Aquele palco de movimento "em sangue" é campo de batalha constante. Isso é nítido na teatralidade intencional dos gestos e sequências, ora amplas e limpas, ora frenéticas, repetidas, compulsivas. Várias histórias são possíveis de ler EM CAIXA, às vezes lógicas e banais, outras vezes no limite extremo da passionalidade e da insesatez... e talvez a percepção dessa complexidade feminina seja o maior dos fascínios do espetáculo.



    A luz forte e suave ao mesmo tempo, criada por Luciana Raposo acentua o discurso de mistério e sedução da obra, reforçando os tons agudos que o trabalho corporal prioriza. A alma feminina se derrama em cena, contrastando sensualidade e dor nos movimentos precisos das intérpretes. A vasta experiência e o prolongando e intenso processo de pesquisa - que durou um ano- devem ter ajudado o coreógrafo Ivaldo Mendonça a encontrar o tom certo para aliar os elementos técnicos e dramáticos, sem cair em armaldilhas. Escapando dos clichês e caricaturas, Mendonça conseguiu mergulhar no universo feminino e trazer de lá uma tradução, ou melhor dizendo, traduções fidedignas desta natureza fluida como a dança que ele nos apresenta. EM CAIXA encanta pela beleza plástica, pela maturidade e a excelência técnica das suas intérpretes, mas principalmente porque nos faz participar de um drama real. Vivemos aquelas dores; sonhamos em ser bailarinas; queremos aquela caixa (a de música e a dos segredos); somos o sangue vital que não para de pingar...transformando em dança tudo o que sofremos. EM CAIXA é relato de dor mas ao mesmo tempo é prova de superação, sublimação... transformação que vem da imensurável força do dito "sexo frágil". Pode ser que Zé Ramalho tenha razão, que não haja mapa, mas EM CAIXA pode ser um bom retrato, revelando várias nuances desse mundo complexo que é a alma da mulher.

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