Os desafios de um terreno líquido

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  • terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
  • por
  • Chris Galdino
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  • Crédito das fotos: Hans Von Manteuffel


    Trocar um chão firme e seguro por uma superfície líquida na certa não é tarefa fácil. São muitos os riscos, principalmente, a associação inevitável ao nado sincronizado, conhecido esporte aquático. Mas a piscina especificamente, e a água, de uma maneira geral, pode sugerir tantas metáforas e poéticas que a Cia. dos Homens decidiu abraçar o desafio de se aventurar nesta instabilidade. Assim surgiu Palavra Úmida, depois de um extenso e intenso período de pesquisa, que durou mais de um ano.  
    Editar o vasto conteúdo coletado no processo criativo e transformar em um único espetáculo foi outra árdua tarefa da companhia. A opção pelos significados e ações que a água inspira rendeu belas imagens. O caráter vital, o nosso primeiro habitat natural, a água como nossa casa, o útero materno...qualidades da água muito bem representandas na cena inicial de Palavra Úmida, realçada pela presença de uma criança. Era o nascimento expresso em dança e também o nascer de um padrão de movimentos só possíveis na imersão.


    E de repente, a piscina passa de assunto à cenário para as tão típicas brincadeiras infantis com bóias de câmara de ar de pneu de caminhão. Um convite delicioso ao lúdico se inicia ali, e a comoção dos momentos anteriores transforma-se em alegria, que envolve toda a platéia, tornando-nos coadjuvantes. Mas as cenas seguintes, dançadas na borda/palco da piscina, revelam que estamos em outro momento, à primeira vista completamente apartado dos anteriores. Não fica perceptível a intenção das coreografias (que agora sei, é uma tentativa de representação das sujeiras sociais, as sujeiras da humanidade) nem sua ligação com o tema trabalhado: a água.
    Na verdade, sabemos que a dança contemporânea não se escreve com narrativas lineares ou cronológicas, mas essa desconexão- provavelmente intencional- acabou atrapalhando o andamento do espetáculo, ou pelo menos, interferiu na relação com o público, que retorna a posição de espectador, se afastando do mergulho sensível experimentado na parte inicial da montagem. Talvez o fato de dançar dentro de uma piscina, talvez a escolha da trilha sonora, fizeram a movimentação na água se apresentar lenta, causando uma certa monotonia e a perda dos significados propostos em algumas das cenas.




    Até que a dança "narcísica" e o bailar na chuva nos devolvem ao encantamento, ainda que alguns momentos coreográficos merecessem um aprofundamento maior. Várias vezes minha imaginação desejou ver os corpos se jogarem naquela convidativa piscina, desejou que o inesperado nos fizesse uma surpresa. Mesmo sem a explosão desejada, fui tocada pela fluidez da movimentação líquida dos excelentes intérpretes, que tanta poesia me sugeriu. E olha que eu podia ver a subjetividade, o diferencial presente em cada corpo acquoso daquele, nitidamente. Allan Delmiro, Ana Paula Ferrari, Claúdia São Bento, Isabel Ferreira, Jefferson Figueiredo e Luís Rúben Gonzalez: todos diferentes, todos igualmente líquidos em suas formas sinuosas. Palavra Úmida aponta para várias direções e um mergulho mais profundo em alguns destes caminhos descobertos pode trazer uma solidez maior a esse terreno líquido, um recorte mais definido à esta vasta pesquisa, uma unidade maior entre "o fora e o dentro" da piscina.
    A água? Quantas coisas pode ela nos inspirar? Não sei, só sei que fiquei querendo mergulhar mais fundo, no sentido literal e no poético que o verbo assume inevitavelmente na Palavra úmida da Cia. dos Homens. Que venham outros "tchibuns", sem demora!

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