As relações contemporâneas no encontro de Denise e Felipe

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  • domingo, 31 de outubro de 2010
  • por
  • Chris Galdino
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  • Crédito das fotos: Victor Jucá

    Justo uma imagem- cartas e processos*, criação nascida das conversas entre a bailarina Denise Stutz e o vídeo-artista Felipe Ribeiro, é como uma janela que se abre para o nosso próprio cotidiano, para o “comum” dos moradores das grandes metrópoles no século XXI, templo da velocidade. Só que é exatamente da opção por um tempo cênico esgarçado, expandido, que a dupla extrai sua sublime poética. Talvez essa escolha não seja de fácil acesso para os mais leigos ou desabituados, e digo isso porque costumo ouvi-los sempre e, neste caso específico estava rodeada de alguns dos meus alunos do primeiro período do curso de comunicação (Faculdade Joaquim Nabuco- Recife, onde ensino uma matéria chamada “cultura brasileira”), pouco ou quase nada próximos do ambiente não-convencional da arte contemporânea. Realmente nessa época do fast- food, delivery, etc...é tudo tão rápido, abreviado, instantâneo e fugaz, que qualquer pausa ou silêncio é tida como perda de tempo. E o tempo é muito precioso para o cidadão contemporâneo. Então como perceber a fala de Denise sobre o “branco onde cabe tudo e nada ao mesmo tempo”? Com que olhar, acompanhar as narrativas da percepção de Felipe sobre a imagem do mar carioca e da plataforma de petróleo? São muitas as imagens além do que a tela exibe, e são muitos os versos que a conjugação corpo-imagem-texto pode operar no sensível de nós. Mas até que ponto nos deixamos tocar? Será mesmo necessária a permissão para o toque,ou esta é uma ação que arte faz sem esperar ou ouvir nossa vontade?

    Com a intimidade e a espontaneidade de dois bons amigos, os artistas nos apresentam seus arquivos confidenciais, abrem suas caixas de lembranças, que também dizem tanto de nós mesmos. As cartas- hoje eletrônicas- revelam a diversidade, a fragmentação, as ambigüidades e paradoxos do sujeito contemporâneo. São muitos as coisas das quais queremos falar (os artistas em cena e nós também):

    - Vamos dizer isso com um texto- fala Felipe.

    - Vamos falar disso com o corpo- retruca Denise.

    - Vamos fazer isso com uma imagem- os dois parecem entrar em consenso.

    As nítidas marcas de técnicas de dança que aparecem nos movimentos da experiente bailarina dialogam com imagens e textos, que reverberam nos corpos dos espectadores, ainda que não agrade “seus gostos” ou não corresponda à sua busca por narrativas lineares. O trabalho da dupla expõe as relações de hoje, fragmentadas, às vezes turbulentas, e sempre mediadas por tecnologias, mas chama atenção para a necessidade atemporal de parar, de deixar os silêncios falarem, de aguçar os sentidos e sentir que o poético nunca será velho, ultrapassado, anacrônico. Para mim, Justo uma imagem- cartas e processos é uma conversa encenada, de cunho íntimo, uma janela para dentro da gente. Tomei parte nesta conversa ‘desfiada em imagens, palavras e movimentos’ e senti um apelo, uma convocação poética para sair da superfície (outra marca cruel do século da velocidade em que vivemos) e mergulhar, permitir a entrada do verbo aprofundar nas nossas relações, inclusive na nossa relação com a arte contemporânea.

    São muitos os versos ditos e escritos por Denise e Felipe, guardo comigo o que para mim marca esse apelo ao profundo, esse ver o outro além da casca, do estereótipo (o outro ser humano ou a outra expressão artística diferente do meu mundo, por exemplo). Fica a definição-declaração que ele confessa em uma das cenas finais da apresentação: Denise é feita de ex-votos, é feita de madeira e fé. Justo uma imagem- permito-me definir eu agora- é um exercício de percepção feito de afetos.

      











    *Pesquisa coreográfica subsidiada pelo Programa Rumos Dança 2009/2010 do Itaú Cultural.

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