A dança além dos horizontes de QUDUS ONIKEKU

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  • sábado, 23 de outubro de 2010
  • por
  • Chris Galdino
  • in
  • Crédito das fotos: Victor Jucá

    Foram apenas alguns minutos de performance, mas o impacto valeu por muitas horas de diálogo, de debate caloroso mesmo. O cenário era o suntuoso átrio do Shopping Paço Alfândega, no Recife Antigo, exatamente no espaço vazio entre as telas do pintor pernambucano Romero Andrade Lima. Como um “Zé ninguém”* , o artista descalça os chinelos e inicia uma seqüência acrobática, que surpreende pela força do movimento, mas principalmente pela simplicidade como ele expõe ali seu corpo-história. E, de repente, um outro Qudus Onikeku aparece: em ondulações, sinuoso, conservando o peso da força animal, porém acrescentando uma delicada sutileza em um gestual contrastante e poético.
    As obras de Andrade Lima, retratavam sujeitos, e a dança do bailarino franco-nigeriano parecia impregná-las de humanidade (como se pudessem começar a se mover quando ele se aproximava de cada quadro) e vice-versa, ele também se “enquadrava”, oferecendo-se à contemplação e a curiosidade alheias. O som que saía da guitarra de Charles Amblard estava completamente sintonizado à poética e ao discurso que o corpo de Qudus ia desfiando precisamente.
    Encarando o público, partilhou segredos com alguns e, em seguida parecia buscar uma ligação com a terra, sentir a segurança do pertencimento, explorar as geografias deste novo espaço para senti-lo seu também, voltando a imprimir o traço forte, a energia guerreira e a expansão aos seus movimentos. Nesse momento aquele espaço era seu reinado? Será? O que significa ser do lugar e o que é ser estrangeiro? Podemos ser estrangeiros no nosso próprio lugar?
    Você sabe de onde eu venho, que corpo é este que fala aqui? Uma pergunta que se traduzia coreograficamente em vários momentos da performance intitulada “Dou you need Coca-Cola to dance?” (Você precisa de coca-cola para dançar?). Título que revela um viés político marcante da obra, dizendo que há muita dança, há muita arte para além do nosso olhar colonizado. A dança deste artista nos convida a ir além, desacostumar, desambientar, explorar outros mundos. Se precisamos de coca-cola para dançar? Talvez sim, mas não só. Aliás os três bailarinos que se apresentaram ontem (22.10.10) e participaram do workshop de Qudus, cantaram pertinentemente um conhecido jingle do guaraná Antarctica (“quero ver pipoca pular, sou louco por pipoca e guaraná”), nos lembrando que nós temos mais que coca-cola, temos e somos mais que cópias dos modelos “made in colonizadores” que tantas vezes tentam nos impor como verdade única. Coca-cola, guaraná, sucos variados, água de coco, guaraná Jesus, cajuína, cachaças... O que precisamos mesmo é ter mais encontros com Qudus Onikeku e obras como esta que ampliam nossa percepção, abrindo os horizontes.















     

    * Também no sentido que Darcy Ribeiro descreve em sua obra Povo Brasileiro: da impureza étnica que traz uma "ninguendade", da qual só saímos inventando uma nova identidade, sendo mistura, sendo outra coisa, essencialmente sem essência, essencialmente híbridos, mestiços na carne e no espírito.

    2 comentários:

    Terra disse...

    Olá Cris,
    Obrigada pelo envio do link para o seu blog.
    Já o estou a seguir.
    Um abraço de Angola
    ;-)

    Chris Galdino disse...

    Ana,que alegria te reencontrar aqui. me envia tua morada para eu fazer te chegar um exemplar impresso da revista, com aquela matéria (tem cópia dela aqui no blog)sobre dança em África para a qual você me deu entrevista no começo deste ano. Manda-me por email a morada. E vamos nos falando. Bjs

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