Conversas sobre os "couves"

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  • sexta-feira, 2 de julho de 2010
  • por
  • Chris Galdino
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  • A Carlinhos Santos, de Caxias do Sul (RS),  coube a missão de escrever sobre os trabalhos do Coletivo Couve-flor apresentados na edição 2010 do Interação e Conectividade, evento realizado pelo Dimenti, em Salvador (BA)...eu quis continuar a conversa. Tanto o texto como meus comentários foram originalmente publicados em http://www.idanca.net/.



    PERCURSOS, PESSOAS E PROCEDIMENTOS

    (Carlinhos Santos)


    Peça de Pessoa, Prego e Pelúcia, peça de poesia e procedimentos. Performances reunidas, coletivo de um só. Da ideia de problematizar o público, ao público: peça de pirralhos, também para crescidos. Parcerias postas: Couve Flor com pesquisa dramatúrgica de Jorge Alencar. Penumbras que revelam personagens. Proposta de dramaturgia em solos perpassados, pontos que se unem, picturas cênicas. Possibilidades de percurso, pesquisa mesmo: sobre as tais perspectivas de coletivos terem traços nas partes, amarrando um todo. Mas esse conjunto pode ser repartido, sobrevivendo aos recortes, pois enverga assinatura.
    Peça de pertencimento, primeira peça do fractal de performers e bailarinos. Partituras corporais, plugadas em tecnologia. A roupa nova do rapaz é high tech, pois assim são também suas articulações artísticas. Ponta, não da sapatilha, mas da antena que pensa sobre os passos da dança inserida nas artes da contemporaneidade. Pensamentos, de novo, em torno das putrefações. Sim, pois estetizar os puns e os pipis, sangue e excrementos, pode incomodar e parece até carregar um quê de perverso. Mas eis aí a peça potencializando este papo também.
    Peça de produção de significados, que pescam ideias em torno de referenciais imagéticos como os de Tim Burton para redefinir universos. Na continuidade da intervenção do Coletivo (curitibano) Couve-Flor, uma aposta na inteligência cênica, sem língua do pê. Pêpor pêque pêpa, pêre, pêce, pêsem, pêpre, pêmais, pêfá, pêcil, pêtra, pêtar, pêcri, pêan, pêça, pêco, pêmo, pêbo, pêbi, penha?
    Peça de perspectivas, acenando para novos sentidos à intervenção cênica da trupe, pontuando um tanto de dramaturgia ao linóleo e outro de movimentação à cena. Ao investigar, o trabalho pertence à categoria da proposta que encontra novos nexos, reinventando e reiterando uma trajetória. A exploração deste caminho configura uma experiência rica, carregada de significados ainda em processo - pê de prego, pessoa e pelúcia, pê de poesia, pureza e precisão. Ajustes para a dramaturgia? Talvez, se a vontade do pêndulo recair sobre a opção do prólogo e epílogo. A exploração de todos estes pontos ainda está a exigir novas lógicas de configuração. Elas podem por mais pingos em is (imbricando as histórias das figuras), jotas (justapondo as narrativas de uns e outros), e até pês (pontuando outras leituras ao público).
    O ponto de tangência da Peça de Pessoa Prego e Pelúcia e a performance Infiltrados, que o Couve apresentou numa praça do Rio Vermelho é, de novo, o gesto potente dos artistas na reinvenção dos palcos que pensam. Desta vez, como em muitas outras no percurso da trupe, o ambiente urbano é posto em evidência.
    O jogo, de novo, é pintar de inventividade o gesto. E o vermelho foi a cor, definida pelo nome lugar onde se trabalhou. De cara, a senha do Stevie Wonder cover pedia: olhos atentos ao mapa do lugar, ao entorno que, aqui e acolá, via surgir infiltrações rouges na paisagem. A leitura é orientada, anunciada por roteiro entregue a quem vai acompanhar a proposta.
    “Vende-se presente”, anuncia o panfleto colado no ponto de ônibus. Este agora presenciado, este tempo do transcurso, repete-se no DNA dos artistas e na perspectiva da obra: jogar-se aos gestos corriqueiros, mas algo irrepetíveis, para eternizar aquela fotografia animada, aquele instantâneo em movimento: as rosas vermelhas jogadas ao lixo e o aviso discreto, na murada do bar, proibindo que se mexa nos detritos. Como não querer recolher o resto do gesto, tentando carregar junto, para depois dali, um tanto daquele vermelho paixão dispensado na sarjeta?!
    O quebra-cabeças exige presença, pois quer tratar do presente, do estar sendo. Propõe disposição de atentar às fitas longas, vermelhas, estendidas ao longe e, também, ao tom da cor do que come, bebe e lê a moça da mesa ao lado. Num zás, alguém passa e traz balinhas vermelhas, feito moranguinhos que desenham um caminho. Pura invenção, Alice na corrida urbana, sem coelho apressado, catando recortes do tempo.
    O contexto da performance enche de novos sentidos um lugar. Material e imaterial, a ação artística do Couve-Flor repete e repete e repete os procedimentos. E, quando insiste em algo com firmeza de recursos artísticos, esboça um estilo.
    Tanto as infiltrações urbanas quanto a ação de palco apresentadas pelo Couve-Flor durante o Interação + Conectividade são o reflexo de fractais conectados à inquietação, que revisitam questões recorrentes com gestos distintos. Os trabalhos expõem inteligência cênica, movimento articulado à performance, também atenta ao “in situ” (do contexto que gera o gesto, que reinventa o contexto, repercutindo em novas situações – artísticas, poéticas etc e tudo), desdobrando camadas de possibilidade de resultados a partir destes gestos elaborados por um pensamento artístico preciso e precioso da cena contemporânea brasileira.

    Em operações troca-letras, eu, Christianne Galdino, digo sim à fala de Carlinhos, que tece uma teia poética a partir da poética que estes artistas nos ofereceram. Quanto àquela pergunta, sobre se a “Peça de pessoa, prego e pelúcia” é programação infantil? Confesso que não tenho certeza... Se por um lado cenografia, figurinos, luzes, trilha, alguns momentos e movimentos e o próprio título colaboram para instalar um ambiente lúdico, criando pontes com o universo das crianças, por outro, alguns elementos presentes nas cenas, como o cigarro, as facas, e o sangue, carregam uma simbologia muito forte associada a aspectos pesados, negativos.


    Aguardo ansiosa os próximos passos desta pesquisa na terra dos absurdos, porque vi ali um índice de muitas escolhas estéticas possíveis, uma porção de abreviaturas poéticas inaugurando seus movimentos. Espero que esta peça de p’s seja só o prefácio (para continuar na língua do p), a apresentação dos personagens bizarros que o Couve-flor criou. Quem sabe, no próximo estágio de desenvolvimento da pesquisa ou em uma versão já mais amadurecida do espetáculo, possamos assistir o desenrolar do encontro da menina-imã com o rapazinho das facas, ou perceber a relação das luzes coloridas do menininho com o xixi igualmente colorido da madame poliglota, por exemplo. Bem, o que sei é que ao ver “Peça de pessoa, prego e pelúcia”, fiquei com vontade de saber mais daqueles quatro seres vindos do improvável ou simplesmente do exagero de tendências humanas? Como seria o cotidiano destes seres, seus gestos, suas narrativas, sua forma de existir?

    Seguindo as trilhas do absurdo, cheguei às “Infiltrações” dos couves e me vi completamente infiltrada e ilfiltrante, público e artista, em co-atuação, co-habitação urbana. Experimentei um diálogo inusitado com o ambiente, e, fui, ao mesmo tempo, parte da paisagem. Uma seqüência de ações feitas de mesclas de realidade e ficção, sugeria um monte de reflexões...E de repente, “esvermelhecemos” naquela suspensão de cotidiano, que revelou outras formas do corpo-cidade, outros jeitos de saborear o mesmo prato. Ainda bem!

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