Em trânsito: locomoções e deslocamentos de Viviane Madureira

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  • sexta-feira, 25 de junho de 2010
  • por
  • Chris Galdino
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  • O que é que ela carrega no seu matulão? O que quer dizer? De onde vem e para onde vai? E do nada, no rebuliço do centro do Recife, surge Viviane Madu. Como se estivesse em transe inicia seus movimentos-imagens em uma cena que parece cumprir um ritual. Artista pernambucana radicada em São Paulo, criada na "escola do Balé Popular do Recife", ela continua mantendo uma relação com a cultura popular, mesmo a léguas de distância das fontes dessa pesquisa. Até porque não é difícil encontrá-la por estas bandas...não sei se o interesse artístico é que a traz de volta à terra ou se é por estar sempre aqui que seu interesse aumenta, se aprofunda. Bem, isso não tem muita valia saber, o que importa mesmo é o proveito que ela faz deste lugar de trânsito que escolheu para habitar. E isso vai além das questões geográficas, como performer Viviane Madu (hoje graduanda do famoso núcleo de pensamento que é o curso de Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP), está no entre da arte contemporânea. Lugar onde cabe sua extensa bagagem de dança, suas experiências mais recentes como atriz, o flerte com as artes visuais e o diálogo com a literatura. E nada mais adequado do que o espaço público e transitório da rua para abrigar os deslocamentos de DAQUI PRALI, novo trabalho de Viviane Madu pela Duas de Criação, companhia que ela criou em parceria com outra pernambucana que mora em Sampa, a atriz Luciana Lyra.
    A referência ao caboclo de lança do Maracatu Rural aparece não só na idumentária, mas também na movimentação e no estado cênico da artista, que revela uma transcendência, o sacro-profano que é tão presente nas manifestações populares. Porém, é curioso ver outras possibilidades de interpretação desta corporeidade expressa pelos relatos espontâneos do público das ruas.
    - Esse pessoal de fora tem uma cultura muito bonita- disse uma senhora que assistia a apresentação no Pátio do Carmo, no Recife.
    - Mas essa artista é daqui- retrucou em vão meu  amigo Rogério Alves, que estava por perto.
    - Ela é daqui, mas a dança é judaica- afirmou enfática a senhora, para complementar depois, falando sobre como deve ser cansativo aquele trabalho e dizendo à amiga que tudo que "a moça" fazia tinha um signficado.
    Ou muitos- eu poderia ter dito.
    Tanto somos levados ao imaginário dos sumurais, como rapidamente conseguimos traçar paralelos e enxergar interseções entre a performance e o cotidiano de moradores de ruas dos grandes centros urbanos. Mas a dança guerreira de Viviane é suave, sua força desliza em movimentos sinuosos como se buscasse reconhecer um habitat que já lhe pertence, como se marcasse o território com seu corpo, como se tentasse se fundir ao espaço, ser o chão. A artista andarilha faz sua casa em qualquer lugar, interferindo na paisagem urbana, mas sem buscar uma relação direta com as pessoas que a assitem. O estado de transe proposital imprime uma aura divina à intérprete o que causa, ao mesmo tempo, um fascínio atraente e uma respeitosa distância.
    Plantas, plástico, lança de madeira...o material vai entrando em cena e ganhando múltiplas funções desde as mais utilitárias até as provavelmente fictícias. O som abafado que sai de megafones ligados a um mp4 mistura-se com os tantos barulhos da cidade, compondo um painel de ruídos incrivelmente harmônicos. Finda a apresentação, tudo é arrumado novamente no "matulão" e Viviane Madu desaparece e a multidão segue seu fluxo, mas agora ela já faz parte desse corpo em movimento, dessa natureza plural e constantemente transitória chamada cidade.
    Toda vez que eu assisto uma performance artística na rua, fico me perguntando porque o público ainda estranha tanto? Parece que a cisão entre arte e povo foi tão profunda que conseguiu criar a ilusão de que se tratam de dois mundos apartados, sacralizando e elitizando as expressões artísticas. A contemporaneidade veio dizer que o artista na verdade nem precisa ir aonde o povo está, porque arte e povo não são lugares distantes ou distintos. Talvez esse retorno a um certo espírito "mambembe, cigano" consiga aproximar, cerzir, fundir novamente o que há tanto tempo foi afastado via imposição política ou social. O DAQUI PRALI de Viviane Madu segue esta direção, explorando o extraordinário do comum e o normal que é também fantástico.
    O que ela carrega no seu matulão? O que quer dizer? De onde vem e para onde vai?
    Quem sabe venha de um passado presente dela mesma e da sociedade rumo a um futuro de retorno ao tempo em que arte e povo eram não só integrados, mas indissolúveis.

    AGENDA:

    DAQUI PRALI vai pra acolá e depois volta ao trânsito das terras pernambucanas. Amanhã, 26.06, e dia 29.06, Viviane estará em Rio Branco-AC;  dia 30 em Porto Velho-RO; dia 02.07 em Manaus-AM; 05.07 em São Luís-MA; e volta ao Recife para mais uma temporada, de 07 a 10 de julho.

    Dia 7/07, às 12h, na Avenida Conde da Boa Vista (altura da Rua Gervásio Pires).

    às 17h, na Rua da Imperatriz (altura da Rua da Aurora).

    Dia 8/07, às 12h, na Avenida Dantas Barreto (altura do Pátio do Carmo).

    às 17h, na Rua das Calçadas (altura da Igreja de São Félix).

    Dia 9/07, às12h, na Avenida Conde da Boa Vista (altura da Rua Gervásio Pires).

    às 17h, na Rua da Imperatriz (altura da Rua da Aurora)

    Dia 10/07, às 10h, na Avenida Dantas Barreto (altura do Pátio do Carmo).

    às 12h, na Rua das calçadas (altura da Igreja de São Félix).

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