Exercícios críticos do INTERAÇÃO e CONECTIVIDADE

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  • sexta-feira, 2 de julho de 2010
  • por
  • Chris Galdino
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  • Gente, inauguro hoje aqui uma série de exercícios críticos...para aprofundar ainda mais a partilha...
    O pessoal do Dimenti (BA), nos fez a proposta de acompanhar o Interação e Conectividade - IV no começo de junho lá em Salvador. E as nossas reflexões estão sendo publicadas em blocos no http://www.idanca.net/ e nos nossos espaços virtuais também.
    O texto que se segue é do baiano Joceval Santana. No final, comentários meus e do Carlinhos Santos, de Caxias do Sul (RS).



    CONFISSÕES DE UM CRÍTICO DESTITUÍDO – PACTO, SIMULAÇÃO, LUGAR E INCLUSÃO ATRAVÉS DA OBRA DE CLÁUDIA MÜLLER

    (Joceval Santana)

    Eu não vi Cláudia Müller. Não a vi dançar, propriamente dito, ela não fez a Entrega de Dança Contemporânea em Domicílio para mim, nem fui um dos escolhidos para um acordo individual que ela fez na calada no teatro, em Exhibition. Fui traído pelas circunstâncias – e a traição foi um dos primeiros sentimentos mobilizadores deste texto, que deveria ser gerado de um estágio de convivência mais próximo com Cláudia Müller.
    Não a vi dançar, assim como não a vi da primeira vez em que tive acesso ao seu trabalho, com a videodança Fora de Campo, no qual a própria bailarina e coreógrafa não é filmada, mas, sim, as pessoas que pediram ou receberam em casa, na rua, no ambiente de trabalho a sua entrega. Na videodança, mais do que as discussões implicativas da sua proposta, acerca dos meios de financiamento, produção, distribuição, fruição da arte e o paralelismo com sistemas de mercado e consumo, chamou-me atenção a possibilidade de construir no meu imaginário “uma” dança a partir da reação dos seus espectadores – suas emoções, tentativas de explicação/entendimento e até mesmo suas simulações, tentativas de reproduzir os movimentos de Cláudia. Essas reações foram selecionadas, recortadas e editadas, construindo uma obra que caminha pela tensão, e fusão, entre o presencial e a ausência. E na qual o corpo, através da câmera, se oferece também como uma narrativa de invenção.
    Fora de Campo é capaz de produzir em nós, (tel)espectadores dos espectadores, a construção de imagens, referências e mesmo memória daquele corpo e daquela dança à qual não tivemos acesso “direto” ou sequer intermediado pela fidelidade manipulada da câmera. No entanto, se a opção de Cláudia Müller em permanecer fora do enquadramento instiga, ao mesmo tempo, sua videodança sugere constantemente a legitimidade da sua dança (como forma de gerar emoção) e da sua estratégia de apresentação (como forma de discutir inclusão).
    Algum tempo depois, durante a divisão de tarefas do Interação e Conectividade, “briguei” para acompanhar o trabalho de Cláudia e produzir textos a partir desse compartilhamento. Menti no começo deste texto, vi o trabalho Cláudia Müller uma única vez, quando ela fez entrega numa reunião de diretores da Fundação Cultural do Estado da Bahia, estes surpreendidos pelo discurso eminentemente político da obra. Mas, pela própria plateia – sei que o perfil de quem assiste é constitutivo da obra, e de maneira especial, desta obra – e pelas condições em que se deu minha presença de “jornalista” no local, prefiro colocar esta experiência como extraordinária, e reafirmar para fins deste texto que não vi Cláudia Müller. Não acompanhei suas entregas, suas oficinas, e, última esperança, no espetáculo Exhibition cheguei até o foyer, mas não fui um dos escolhidos para entrar no teatro, embora uma das “atendentes” tivesse me garantido que todos entrariam.
    Para ver Exhibition, uma pequena fila se formou atrás do aviso de lotação esgotada. Acesso apenas para as pessoas relacionadas ao festival, mas, mesmo assim, algumas ainda ficaram de fora. No foyer, aguardava-se a entrada à sala de espetáculo, enquanto exibições em um vídeo funcionavam como reafirmação da obra de Cláudia (com depoimentos sobre sua participação num festival de arte contemporânea) e simulacro (com comerciais de uma marca fictícia de açúcar, vinculando-a a conceitos de requinte e felicidade instantânea, com forte acento no artificialismo). Em determinado momento, os atendentes passaram a servir Chandon aos que ultrapassaram a porta do foyer e o que era uma movimentação um tanto suspeita se evidenciou: pessoas escolhidas para entrar no teatro, onde passavam alguns minutos e saíam. Mas nem todos tiveram a sua vez... Algo foi rompido no pacto/palco do acesso?
    Não, o lá-fora também fazia parte do espetáculo – e o lá-fora do lá-fora, barrados. Cláudia Müller espetacularizava a institucionalização do acesso, a inclusão (que pressupõe uma exclusão), os critérios de seleção e o poder sobre eles.
    Mas uma vez sem vê-la, a projeção da sua presença se fortalecia em mim e me provocava. Percebi, ainda um tanto perdido pelo que foi negado, que sua presença/ausência tinha sido muito marcante para mim nos últimos dias: pela angústia de não conseguir acompanhar o seu trabalho e pela curiosidade em saber das pessoas que o viram o que elas achavam. Percebi o quanto tinha falado sobre Cláudia naqueles dias.
    Cada obra engendra a sua própria crítica ou forma de reflexão em cada espectador. A de Cláudia, naquele momento de “traição” – eu, que havia sido institucionalmente delegado a refletir sobre ela –, provocou em mim uma necessidade imediata de construir essa reflexão a partir de outros olhares. A questão que se colocava, também imediatamente, era: se o olhar do crítico é apenas um olhar possível sobre o alcance de uma obra, legitimado principalmente pela publicação desse olhar em veículos e com assinaturas de diferentes graus de valoração no nosso imaginário, seria possível e mesmo capacitado escrever uma “crítica” a partir de múltiplos e outros olhares? Como se estabeleceria esse diálogo com o leitor, que viu ou não a obra? Como assumir outros lugares nesse diálogo? O valor de credibilidade escaparia ou se fortaleceria?
    Aos escolhidos de Exhibition, um por um, eu soube, Cláudia propunha uma pacto. Eles falariam sobre um espetáculo de dança que os tinha emocionado e, em troca, ela dançaria para eles. Tudo teria sido registrado por câmera, os depoimentos e as reações. Acredito que Cláudia vá usar esse material coletado em uma próxima obra.
    Resolvi fazer uma simulação: perguntei às pessoas que emoção o trabalho de Cláudia Müller lhes causava. Colhi os meus depoimentos e reações; espectador do espectador; jornalista, recortei, conduzi, editei; crítico, acreditei que poderia apontar e redimensionar o espaço da emoção e da reflexão. Traído, cumpriria minha parte.
    Fiz o texto – que não é este. Construí uma visão daquilo que não vi. E tento oferecer aqui, eu mesmo, uma possibilidade de revê-la. Mesmo para quem teve acesso a ela. Uma possibilidade a mais de construir imagens, referências, discurso, reflexão, registro.

    CHRIS GALDINO:
    Fazia tempo que eu não era “barrada no baile”, acho que desde a adolescência quando ainda não tinha idade para assistir Flashdance e tive meu acesso negado. Não ver a “Exibithion” de Cláudia Muller me deixou primeiro descrente (achei que fazia parte da performance, mas que iríamos entrar depois), depois indignada, em seguida curiosa demais e, na seqüência, muito reflexiva. Pensando sobre liberdade de ir e vir e liberdade criativa, cheguei à política de democratização de acesso às artes. Esse discurso tem sido tão recorrente no Brasil, mas será que o acesso acontece mesmo? Quando nossa entrada é permitida, de que maneira as informações chegam, de que maneira se dá o acesso? Será que assistir é, nesse caso, igual a acessar? Suspeito que não! Com certeza, ver Exibithion me traria outras questões e talvez o não visto tenha despertado em mim muito mais emoção- em variedade e intensidade.
     
    CARLINHOS SANTOS:
    Não ver Claudia Muller é um dos trunfos deste novo momento da obra desta criadora. Não estar entre os eleitos para adentar a uma das sequencias desta ‘exibição’ gerou desconforto, irritação. Pois havia ainda, além dos que aguardavam, os que estavam formalmente segregados, da porta para fora do teatro. Fora e dentro, inclusão e exclusão, critérios de seleção, jogo de aparência e essência, memória do que se vê, daquilo que se lembra sobre uma dança, do que se quer eternizar sobre ela. Tudo liquidificado por um bem coreografado pensamento em torno da dança, das danças, dos contextos. No dia seguinte, d.CM (leia-se depois de Claudia Muller), assistindo a um outro trabalho da programação do Interação e Conectividade, deparei-me com uma questão: por que tanta imagem, tanta cena, tanto figurino, tantos deslocamentos, tanta interação com a plateia, para tentar enunciar um gesto cênico, um movimento, algumas ideias? Segredei ao Jorge Alencar naquele instante que, aos poucos, Claudia Muller começava a repercutir no meu pensamento. Então, comecei a ver melhor Claudia Muller.

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